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Luto infantil


O luto é uma reação emocional intensa diante de uma perda. Essa perda não se resume apenas à morte, mas também à variadas situações dolorosas ocorridas durante toda a vida, tais como: o rompimento de um relacionamento, de uma amizade, a saída de um trabalho, uma decepção, uma despedida, dentre muitas outras. O luto é vivenciado como uma imensa tristeza, uma perda de interesse pelo mundo, uma sensação de que a vida perdeu o sentido. Diante de tanta dor, é comum também a presença de sintomas no corpo, tais como dor no peito, alterações na memória, distúrbios no sono, etc. A pessoa que está em luto pode também isolar-se, revivendo, por meio das lembranças, a sua relação com a pessoa querida que morreu. Mesmo com tantos sintomas, o luto não é considerado uma doença, é um processo natural e necessário diante da dor de uma situação de perda. Não há um tempo certo, padrão, para a finalização de um processo de luto, cada pessoa lida com essa dor do seu jeito e precisa encontrar um novo sentido para a vida. Quando uma pessoa querida se vai, perdemos muito mais do que a sua presença física: o seu lugar na nossa vida, os sonhos construídos juntos ficam abalados. O mundo torna-se diferente sem aquele sorriso, aquele olhar e aquelas palavras. E atravessar o luto não significa esquecer aquele que se foi, mas sim compreender que, mesmo ausentando-se fisicamente, a pessoa querida deixou marcas profundas, ensinamentos que a torna presente para sempre.

  • O mundo das crianças tem perdas?

É comum cultivarmos a ilusão de que o mundo das crianças é marcado pela “inocência” e pela ausência de sofrimento. Porém, quando as observamos com calma e com atenção, percebemos que, suas vidas, assim como as do adulto, têm também suas dificuldades. A vida impõe perdas e, com as crianças, essa realidade não é diferente. Desde cedo, o bebê precisa aprender a lidar com a ausência da mãe por longos períodos, com a perda do seio da mãe, o desmame. A perda dos dentes de leite, a saída da segurança da casa para ir para a escola. O processo de “crescer” na adolescência é marcado também por muitas perdas, renúncias. O adolescente não é mais criança, nem adulto ainda. Sente-se estranho por não reconhecer mais o seu corpo que está mudando; perdeu-se o corpo de criança! No mundo da criança os papéis estavam bem definidos e, o adolescente precisa encontrar um novo lugar em sua casa, na escola e na vida. Perder faz parte do ciclo da vida e exige que a pessoa se reconstitua, aprendendo a lidar com o novo momento.

  • A criança é capaz de compreender a morte?

É importante ter em mente que a compreensão que a criança pequena tem sobre a morte é muito diferente da do adulto. Autores que estudam o tema do luto na infância falam-nos que a evolução do conceito de morte para as crianças caminha lado a lado com o desenvolvimento cognitivo. Antes dos 03 anos, a criança percebe a morte apenas como ausência e falta. Já entre os 03 e 05 anos, a morte assemelha-se a um estado de sono. Nesse momento, a criança imersa em suas fantasias, acredita que pensamentos, desejos e palavras podem causar ou evitar a morte. Comum, sentimentos de culpa diante da morte de pessoas queridas, pois associam a ausência a desejos e pensamentos agressivos. De 05 a 07 anos, a criança consegue entender a morte como “irreversível”, “inevitável”, ou seja, como o destino de todos, e como um estado em que todas as funções do corpo humano param de funcionar. Aos 10 e 11 anos, ela consegue ter uma compreensão da morte de forma mais abstrata, formulando hipóteses sobre a sua causalidade. Podemos perceber, assim, que a criança, à medida que vai amadurecendo cognitivamente, apropria-se do conceito de morte de forma mais profunda. Porém, se essa tabelinha das idades acima facilita nossa compreensão, é preciso saber também que crianças pequeninhas podem avançar etapas, adquirindo a capacidade de compreender a morte como irreversível. Crianças que tiveram experiências precoces com situações de morte, seja de pessoas próximas ou animais de estimação, constatam, pelas suas vivências que a morte é para sempre! Assim, para compreender em que ponto do desenvolvimento a criança está, é importante escutá-la e permitir que ela fale sobre o tema.

  • Por que é tão difícil conversar com as crianças sobre a morte?

Quando morre uma pessoa querida na família, é comum perguntarmo-nos sobre como agir diante das crianças. Afinal, no imaginário dos adultos, elas parecem não compreender temas tão complicados quanto a morte. Além do mais, desejamos proteger a criança de temas dolorosos, acreditando que falar sobre a morte pode causar mais sofrimento. Essas justificativas podem esconder a dificuldade e o sofrimento do adulto em lidar com a morte. O adulto, em luto, angustia-se por ter que explicar algo que nem mesmo ele é capaz de entender. Afinal, o que dizer à criança sobre a morte? Diante dessa dificuldade, é comum deixar a conversa com a criança para depois, impedindo-a de ir ao velório, escondendo informações e, em alguns casos, mentindo sobre o destino da pessoa morta. Importante lembrarmos que o adulto está sofrendo com a perda, por isso age dessa forma, tentando ganhar tempo, um respiro, para conseguir encarar a criança. Porém, precisamos refletir sobre isso e considerar os efeitos do silêncio sobre a criança. A criança começa a ver a morte como um segredo, sentindo-se sozinha e desamparada. Por estar atenta aos sentimentos, olhos vermelhos, choro dos adultos, a criança percebe que algo ruim aconteceu, mesmo que não saiba dizer o que é. Importante lembrar que a criança é muito observadora, sendo capaz de captar no ar os segredos mais ocultos dos adultos. Somente observá-las e escutá-las para perceber esse fato!

  • Como contar a uma criança que uma pessoa querida morreu?

Importante refletirmos que o que gera mais sofrimento não é falar sobre a morte, e sim a própria morte. Perder algo ou alguém importante é uma das experiências mais dolorosas de uma vida! Infelizmente, o mundo da criança não está protegido dessas perdas. A criança, mesmo pequenina, vivencia experiências de mortes de seus entes queridos, seja de avós, pais, amiguinhos, animais de estimação. Abrir espaço para conversar sobre a morte, a tristeza, os medos, é uma forma de mostrar à criança que ela não está sozinha. Sobre a morte não há um saber universal. Cada um de nós constrói estórias sobre a morte, considerando nossas crenças, espiritualidade, religião. Muito mais importante do que ter todas as respostas para a criança é estar presente e suportar ter essa conversa difícil com ela. Em muitos momentos, a criança fará perguntas que não há repostas certas, absolutas. O adulto pode não saber responder e, dizer “não sei, vamos descobrir juntos” fortalece a relação com a criança, pois mostra a ela que os adultos também não sabem tudo. O “não sei” pode abrir espaço para o diálogo e para a construção de uma estória com a criança. Como por exemplo, a criança de 05 anos, que imagina, junto com seu pai, que a mãe foi morar com a avó e com seu cachorrinho no céu, criando cenas engraçadas de travessuras de seu cãozinho falecido. Uma conversa natural, sincera, abrindo espaço para falar sobre sentimentos, como saudade, tristeza, dor, medo, etc. Muito mais importante do que a estória a se contar, é permitir falar! Falar é poder compartilhar sentimentos, sensações, fantasias. Conversar é uma forma de não estar sozinho! Falar sobre a morte é dizer do que não sabemos, mas que dói tanto que nos obriga a improvisar e a inventar uma estória!

  • Devo levar a criança para participar de um funeral?

Para essa pergunta, não há uma única reposta. Quando falamos de seres humanos, tudo é complicado, pois cada pessoa é única e reage de formas diferentes a situações parecidas. Para tomar essa decisão, é preciso considerar alguns elementos, tais como os valores, o significado do funeral para a família. Importante pensar que os rituais são relevantes na medida em que permitem vivenciar a perda, a partir de despedidas. O funeral permite também a percepção concreta da morte, quando vemos e tocamos o corpo da pessoa querida. Crianças que não participaram do ritual do velório podem, mais tarde, pedir à família que as levem ao cemitério para conhecerem onde o ente querido foi levado. É comum que os adultos, por se sentirem muito frágeis, chorosos, no enterro, achem melhor que a criança não presencie tal momento, acreditando estar protegendo-a do sofrimento. O mais importante, nesse caso, é compreender as razões para a decisão de não levar: se o adulto consegue suportar a presença da criança nesse momento. Importante, caso a decisão seja de levar a criança, a presença de um familiar que sinta preparado para conversar com ela sobre o ritual, apoiando-a emocionalmente e permitindo que ela se despeça, faça perguntas. Muito do que a criança presencia, nesse momento, somente vai ser compreendido mais tarde. Durante o funeral é comum a criança demonstrar curiosidade sobre o corpo do ente querido, uma vez que sua compreensão sobre a morte varia de acordo com seu desenvolvimento cognitivo. Ela pode fazer perguntas, tais como: que horas ele vai acordar? Ou se ao fechar o caixão, ele vai ficar com medo? Tais perguntas precisam ser acolhidas e respondidas, se os adultos derem conta no momento. Se não suportarem nesse momento delicado, importante que, quando sentirem-se um pouco mais fortalecidos, que abram espaço para que a criança fale, caso ela deseje voltar a esse assunto.

  • Como a criança vivencia o luto?

O luto da criança tem características próprias. Quando muito pequeninhas, elas associam a morte com o “ir embora” ou “dormir”, não conseguindo ainda compreendê-la como algo irreversível. Se quem dorme, pode acordar, e quem vai embora, pode retornar a qualquer momento, a criança espera, durante um período, que a pessoa morta apareça novamente. É comum, nesse momento, perguntas dirigidas aos adultos sobre onde está o ente querido e quando voltará. Durante esse período, a criança costuma agir naturalmente, sem impactos emocionais aparentes, vivendo sua rotina normalmente, o que gera estranhamento nos adultos. Se nos adultos, o luto costuma iniciar-se tão logo a morte acontece, para a criança, há um espaço de tempo em que ela costuma agir como se nada tivesse acontecido. Somente com o passar do tempo e a percepção de que a pessoa não retornou que a criança percebe a gravidade da situação, vivenciando a dor da perda em seu luto. Quando percebe que algo está errado, a criança começa a perguntar-se sobre as razões da ausência do ente querido. Como uma boa investigadora, ela cria teorias, tentando encontrar explicações para a morte. Esse momento pode ser tenso e bem solitário, pois no mundo da criança fantasia e realidade confundem-se. É comum a criança acreditar que a raiva que sentiu ou os desejos agressivos que dirigiu à pessoa querida foram a causa da morte. Diante dessa certeza e da culpa, pode haver comportamentos de autopunição ou isolamento, que, ao se prolongarem, precisam de atenção e cuidado.

  • Quando a criança em luto precisa de ajuda psicológica?

O luto é um processo natural, diante de uma experiência de perda significativa. Não é considerado, assim, uma doença que precisa de intervenções imediatas. No geral, o luto vai se concluindo à medida que a dor vai sendo vivida e a busca de sentido para a perda e para a vida do morto vai sendo reconstruída. Porém, há situações em que esse processo vai se prolongando tanto, que continuar a viver parece algo impossível. O sofrimento torna-se intenso demais e o isolamento da pessoa impossibilita o retorno às suas atividades e à sua vida. Estudiosos do tema, falam que quanto mais conflituosa a relação com a pessoa morta, mais difícil é o processo de luto. Isso por que no luto essa relação vai ser revivida, para ser ressignificada. A presença de sentimentos de amor, raiva, revolta na relação com a pessoa morta, faz com que apareçam sentimentos de culpa. No caso da criança, algo semelhante acontece. Quando ela percebe que a morte não tem volta, que é para sempre, seus questionamentos sobre o porquê são invadidos por teorias em que fantasia e realidade misturam-se. Diante da morte de um genitor, por exemplo, a criança pode acreditar que sua mãe foi embora por que ela se comportou mal, ou por que agrediu o irmão, por exemplo. Na mente das crianças, sentimentos de raiva e comportamentos agressivos podem causar a morte de uma pessoa querida. Diante disso, a criança pode apresentar embaraços em seu processo de luto, e, em meio a sentimento de culpa, inicia comportamentos de autopunição, entrando em um processo depressivo. Importante, assim, observar como as crianças estão lidando com a morte de uma pessoa querida, observando seus comportamentos e sentimentos para que, possam contar com ajuda especializada de um psicólogo, quando necessário.

  • Literatura infantil sobre a morte

• ALVES, R. A montanha encantada dos gansos selvagens. São Paulo: FTD, 2016.

• ALVES, R. A Libélula e a tartaruga. São Paulo: FTD, 2016.

• ALVES, R. O decreto da alegria. São Paulo: Paulus, 2004.

• ALVES, R. O medo da sementinha.

• BUSCAGLIA, L. A história de uma folha. Trad. A B Pinheiro de Lemos. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, 1982.

• BRANCO, S. O dia em que a morte quase morreu.São Paulo: Salesianas, 2006.

• ESPESCHET, R. O menor espetáculo da terra. Belo Horizonte: Dimensão, 2005.

• HISATUGO, C. L. C. Conversando sobre a morte. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

• MUNDY, M. Ficar triste não é ruim. Trad. Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2001.

• OLIVEIRA, M. A sementinha medrosa.Curitiba: Cultur, 2003.

• PESSOA, C. Dona saudade. 2 ed. São Paulo: Callis, 2001.

• PRADO, L. J. Fiz o que pude. São Paulo: Moderna, 2003.

• RYAN, V. Quando seu animal de estimação morre. Trad. Alexandre da Silva Cravalho. São Paulo: Paulus, 2004.

• RYAN, V. Quando seus avós morrem. Trad. Edileuza Fernandes Durval. São Paulo: Paulus, 2004.

• SILVA, C. C & SILVA, N. R.. Os porquês do coração. São Paulo: ED. Do Brasil, 1995

• SERVANT, S; FRONTZ, A. Sempre Perto. São Paulo: Scipione, 2011.

• SCHMITT, E. E. Oscar e Senhora Rosa. Tradução de Bluma Vilar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

• VENEZA, M. Vovô foi viajar. 2 ed. Belo Horizonte: Compor, 1999.

• ZIRALDO. Menina Nina: duas razões para não chorar. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 2005.

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